Camilo Castelo Branco
[escritor português, romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor]
(Lisboa, Encarnação, 16 de Março de 1825 — Vila Nova de Famalicão, São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890)
A outra metade
Quando este corpo meu esfacelado
Baixar á leiva húmida da cova,
Hão de os jornais carpir a infausta nova,
Taxando-me de sábio consumado.
Estalará na imprensa enorme brado,
Pedindo a ressurgência d’um Canova
Que a morta face em mármore renova
Para insculpir meu busto laureado.
E algum dos imbecis necrologistas,
Com soluçantes vozes de saudade,
Dirá em ricas frases nunca vistas:
“Esse génio imortal, rei dos artistas,
No céu pede ao Senhor que a outra metade
Reparta por vocês, ó jornalistas!”
In “Nas Trevas”1890