Rubens Batista Figueiredo (Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1956) é um romancista e tradutor brasileiro, ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti de Literatura.
Figueiredo graduou-se em português-russo pela Faculdade de Letras da UFRJ. Já trabalhou em editoras da capital fluminense e foi professor de tradução literária na PUC-Rio. Possui sete livros em sua obra, além de mais quarenta traduções publicadas, principalmente da língua russa para o português. Também é professor de português para o Ensino médio. [ler mais]
Rubens Figueiredo: «A desigualdade inspira um temor tão grande que os privilegiados fazem um esforço para não a enxergarem»
Rubens Figueiredo, de 55 anos, é ainda um nome desconhecido em Portugal, mas tudo poderá mudar com o lançamento de «Passageiro do Fim do Dia», editado pelo Clube do Autor e vencedor dos dois principais prémios literários do Brasil, o Portugal Telecom 2011 e o Prémio de São Paulo de Literatura. O autor, que tem ligações directas ao nosso país, é um dos principais nomes do Correntes d´Escritas 2013, que começa oficialmente esta quinta-feira, na Póvoa de Varzim.
É com expectativa que Rubens Figueiredo espera visitar novamente Portugal, algo que fez pela primeira vez em 2000. Certamente que o brasileiro vai encontrar um país diferente, que atravessa uma crise sem fim, mas o autor espera acima de tudo reencontrar «a mesma cordialidade e calor humano» recebida há cerca de 12 anos. Humilde, afirma estar surpreso por ser um dos protagonistas do Correntes d´Escritas, «pois certamente não sou ninguém importante».
Seja importante ou não, Rubens Figueiredo irá participar na quarta mesa do evento, concretamente no dia 22 de Fevereiro, às 17h30. O mote da mesa é «e eu já nada sei soprar sobre as palavras». Ao seu lado estarão Carmen Dolores, Helder Macedo, Manuel Jorge Marmelo, Manuel Rui e Richard Zimler. Michael Kegler será o moderador.
O que espera do Correntes d´Escritas? Que informações tem sobre o evento? Falou com algum colega que já tenha participado desta festa da literatura em Portugal?
Confesso que tenho poucas informações sobre o evento. Soube apenas que é um dos mais importantesem Portugal. O que me deixa preocupado, pois certamente não sou ninguém importante. Mas sei que vou encontrar a mesma cordialidade e calor humano que recebi em 2000, quando aí estive.
O que recorda da sua visita?
Estive a convite para uma comemoração dos 500 anos das relações entre Portugal e Brasil. Gostei muito e, em especial, porque o meu pai passou a infância em Portugal, na região rural,em Mesão Frio, entre 1923 e 1931, mais ou menos. E há décadas que ele nos fala em detalhes de suas lembranças.
Sobre a sua participação na quarta mesa, poderia adiantar algo? Lerá uma comunicação ou improvisará?
Não vou ler nem improvisar. Em meus dez minutos, apenas vou partir das sugestões contidas num verso de um poema de Armando Silva Carvalho para comentar um pouco a relação entre a língua e as nossas vidas.
Conhece alguns dos intervenientes que vão partilhar a mesa consigo?
Apenas de nome e de leituras. Receio não ser alguém muito sociável.
O seu livro ganhou dois dos mais prestigiantes prémios do Brasil. Estava à espera?
Não. Mas fiquei muito contente e agradecido.
Além do ego e da exposição, qual a importância de ser distinguido por um prémio?
O mais importante nesses prémios não é tanto o livro escolhido. O que vale de fato é a continuidade, a coerência e a confiabilidade da premiação. Aos poucos, e a médio prazo, isso vai contribuir para reforçar o prestígio da literatura de língua portuguesa. Em primeiro lugar, entre nós mesmos, que, infelizmente, e sem perceber, encaramos os nossos escritores com certo descrédito.
O seu livro não deixa de ser um grito de alerta para a opressão social. O Brasil está definitivamente na moda. É hora de minimizar de vez essa opressão ou acredita que a mesma nunca será revogada por falta de ambição da elite, mas também das suas vítimas?
O que o meu livro tenta questionar não se passa apenas no Brasil. Longe disso. Trata-se de um sistema de exploração global, que se concentra mais cerradamente em certas regiões, é certo, mas funciona como um conjunto. A questão que tentei investigar no livro são os mecanismos que legitimam e ocultam esse processo, presentes nas mais banais situações do quotidiano. As estratégias de sobrevivência e resistência tomam formas inesperadas, inclassificáveis, e quem não é alvo privilegiado da opressão costuma até nem perceber o teor de tais estratégias. Mas elas sempre existem.
Porque decidiu escrever sem capítulos? Porque embarcar o leitor numa viagem sem pausas, ao contrário do que acontece numa viagem de autocarro?
No fundo, eu não queria de maneira nenhuma que o romance fosse estruturado com base num enredo, numa trama. Uma sequência do tipo conflito/crise/desfecho, ou mistério/investigação/solução seria contraproducente para o que eu queria investigar . Eu queria que o livro formulasse um problema, transpusesse o leitor para dentro do problema (onde a rigor ele já está). Não queria uma hierarquia ou uma concatenação de causas e circunstâncias, menores e maiores. Queria a experiência de um todo, concreto, em aberto, em andamento e em movimento contínuo. Queria que, aos poucos, tudo no livro fosse se relacionando, ganhando sentido. Não por força de algo que se passa no livro, não por força de alguma cadeia de ações. Mas sim por um efeito acumulativo, capaz de revelar aos poucos a presença de algo que abrange todos aqueles dados.
A ausência total de capítulos também acaba por reflectir a vida dos passageiros, que, na verdade, parece que não têm um destino, pelo contrário, é infinito, sem perspectiva alguma. A própria viagem não termina. Concorda com esta afirmação?
Pensei em integrar a viagem aos processos em curso na consciência do personagem principal. Além disso havia a presença subjacente do próprio processo histórico, que é por definição sem fim nem início. Sua única perspectiva é a continuidade.
Escreve sobre a pobreza, da sua rotina, que acaba por ser algo visto como natural. Até que ponto isso é prejudicial para uma sociedade?
A desigualdade inspira um temor tão grande que os privilegiados no processo são obrigados a fazer um esforço constante, diário e estressante, para não a enxergar ou para a justificar. A rigor, de uma forma ou de outra, todas as atividades humanas – inclusive a literatura - acabam sendo afetadas e pagam um pesado tributo por conta disso.
Ao contar a história do protagonista, «oferece» a pobreza por dentro, ao contrário do que é habitual, quando ao leitor é «oferecido» a pobreza vista por fora. Esse é o real papel da literatura? Não ser passiva, mas activa?
Para a maioria de nós, os mais explorados se apresentam como um povo distante, uma outra civilização, algo tão diferente que não nos vemos como iguais. Os mecanismos que produzem e reproduzem cotidianamente essa distância constituem um objeto muito resistente ao questionamento. Eu quis escrever sobre isso. Pois um romance pode apresentar aspectos relevantes do assunto. Talvez possa até nos proporcionar um tipo de conhecimento de que só um romance é capaz.
Considera que a literatura brasileira está mais virada para este foco social do que no passado?
A literatura brasileira sempre foi variada. E mesmo os autores tomados individualmente revelam tratamentos e assuntos bem diversos ao longo de sua obra. Aliás, é meu próprio caso.
Charles Darwin. Porque introduzir o cientista inglês na trama? Qual a ligação entre o Brasil virgem e o Brasil contemporâneo, com um tráfego intenso que ultrapassa todos os limites do bom senso?
A certa altura da elaboração do romance achei que era preciso acrescentar uma dimensão histórica aos dados que eu vinha acumulando. Não lembro mais exatamente como foi que aconteceu, mas o fato é que o tal livro vagabundo sobre a viagem de Darwin pelas terras do sul me deu a oportunidade de incorporar ao romance as questões do colonialismo, da escravidão e da forma como a ciência pode servir para a dominação e a legitimação da desigualdade. Veja, isto não está dito no livro, mas a teoria da evolução foi muito oportuna para o colonialismo inglês. A médio prazo, serviu como um substituto da religião para justificar a dominação colonial inglesa, pois seu pressuposto era uma noção de superioridade e de inferioridade.
Outro dado notório no livro é o autocarro. Apesar das angústias e da incerteza do futuro, todos acabam por ficar encurralados no seu interior, presos ao seu corpo metálico. Estamos limitados nos nossos desejos?
Estamos todos condicionados por um regime de relações sociais desiguais. Nossos menores gestos e pensamentos trazem, de um modo ou de outro, essa marca. Cada escolha supostamente artística de um escritor tem parte com esse processo. Nosso desejo mais profundo, mais secreto, mais evitado e temido, o maior tabu de todos, é pôr fim a esse regime.[ler mais]