"acho que Emerson escreveu algures que uma biblioteca é uma espécie de caverna mágica cheia de mortos. e esses mortos podem renascer, podem voltar à vida quando abrimos as suas páginas."
[BORGES, Jorge Luis in Este ofício de poeta]
António Duarte Gomes Leal
[Lisboa, 6 de Junho de 1848 — 29 de Janeiro de 1921]
foi um poeta e crítico literário português cuja obra se insere nas correntes parnasiana, simbolista e decadentista.
Poesia da época do Realismo
Paradoxalmente, a poesia da época do Realismo retoma a altura e o prestígio lírico de Bocage e Camões. Talvez porque o poema se tornasse o molde ideal para fundir as ideias candentes no espírito da geração realista e mais facilmente comunicasse o seu conteúdo explosivo, o certo é que os realistas portugueses não descuraram da poesia e conseguiram atingir níveis de primeira grandeza, acabando por fazer do Realismo uma época rica de actividade poética. Ao contrário do Romantismo, é uma quadra de muitos e grandes poetas. Em consonância com o espírito que guiou a geração realista, a poesia da época segue várias direcções: a poesia "realista", a poesia do quotidiano, a poesia metafísica e a poesia de veleidades parnasianas.
A poesia "realista" deve ser entendida como aquela que serviu, de modo directo, aos desígnios reformistas da geração realista: sem se confundir com o Parnasianismo (como querem alguns), essa poesia é a que teve carácter revolucionário, serviu como arma de combate, de acção, em suma, poesia "a serviço" da causa realista, o que equivale a dizer poesia compromissada ou engagée. Estão nesse caso, ao menos em parte de sua trajectória: Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Antero de Quental, Teófilo Braga e outros. [auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt]
As Aldeias
Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas -
Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.
Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.
Pelas tardes das eiras - como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!
As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D'a agreste solidão das suas ruas!
Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d'um moinho.
Pelas noutes d'estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos...
Gomes Leal
in 'Claridades do Sul'
Títulos disponíveis na biblioteca municipal.