Mário de Sá Carneiro
Lisboa, 19 de maio de 1890 — Paris, 26 de abril de 1916
poeta contista e ficcionista português é um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu
Quási
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido ...
Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão ...
Mas na minh´alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro
in 'Dispersão'
Títulos, deste autor, na biblioteca municipal.